23 agosto 2007


O velhinho que morreu tinha 83 anos. Não tinha muitas pessoas na capela. Nem no funeral. Desde há algum tempo que os seus melhores amigos eram os pombos de uma rua velha, suja e esquecida do Porto. Esquecidos também, ele e a mulher. Reformados, com a família longe e a maioria dos amigos também já mortos, alimentava aqueles pombos religiosamente todos os dias.
Era casado há 47 anos. A mulher, com uns quantos anos a menos que ele, cabelos muito brancos e uma postura recta e amorosa. Gosta de cozinhar (para ele) e divertia-se imenso com as graças que ele mandava constantemente, a quem quer que fosse! Não puderam ter filhos. E agora ficou sozinha.
Sempre os vi juntos. No fim, quando ele começou a ficar surdo, e a ter problemas de ossos e de velhice, ela ficou lá. Cuidava dele com muito carinho. Esteve sempre ao seu lado na cama do hospital. Esteve sempre ao seu lado naquela capela empoeirada.
Tenho um fascínio pela velhice. Pelos outros tempos. Pelas histórias que os idosos têm para contar. Pela sua sabedoria. Por tudo o que levam consigo. Gosto de imaginar como serão as pessoas que agora me rodeiam quando lá chegarem. Não sei se é verdade, mas penso às vezes que a velhice não é a soma de toda a nossa vida, mas antes o reflexo dela.
Se assim é, o Sr. Zé podia não ter muita gente à volta do seu caixão, mas tinha as mais importantes. Tinha a família toda. Mais do que isso tinha a mulher de sempre. Ao seu lado. Visivelmente triste, mas sempre com a mesma postura recta e séria. Não fez grande alarido. Não desatou em prantos exagerados ou imbecis. Mas esteve lá, também ela a morrer por dentro, com ele até ao fim. Até ao último minuto. E se o fez foi porque ele, de uma forma ou de outra o mereceu.
No fim, pouca gente os conhecia na sua cidade. Fora dela, ninguém os conhece também. Para os poucos que os conheceram são um exemplo de dedicação, de ternura, de amor. São uma História… que poucos sabem e que ninguém irá contar. Levam-na com eles. E quem perde, com cada história destas que vão sendo enterradas, somos nós. Os que não sabemos viver.

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